RELATO DE CASOS


ADENOCARCINOMA DE RETO COM METÁSTASE PARA MANDÍBULA: RELATO DE CASO

Metastatic Adenocarcinoma from the Rectum to the Mandible: A Case Report

FLÁVIA BALSAMO1; GALDINO JOSÉ SITONIO FORMIGA2

1Assistente do Serviço de Coloproctologia do Hospital Heliópolis, São Paulo- S.P., TSBCP. 2Chefe do Serviço de Coloproctologia do Hospital Heliópolis, São Paulo- S.P., TSBCP.


BALSAMO F; FORMIGA GJS. Adenocarcinoma de Reto com Metástase para Mandíbula: Relato de Caso. Rev bras Coloproct, 2009;29(4): 493-496.

RESUMO: Os autores relatam um caso de metástase de adenocarcinoma de reto para mandíbula, manifestação de rara incidência e que é sub-diagnosticada. Demonstram a radioterapia local como paliação e recuperação da função mastigatória.

Descritores: Metástase, disseminação, adenocarcinoma, inoculação de neoplasia, cirurgia colorretal.

INTRODUÇÃO
Tumorações malignas do aparelho mastigatório são incomuns e doença metastática para estas localidades são ainda menos freqüentes 1-6.
   Metástases ósseas são mais facilmente encontradas em neoplasias de mamas, pulmões, rins, tireóide e próstata, que são órgãos que têm uma propensão para metastatizar para esta localidade 1,2,4-6.
   Metástases de adenocarcinoma de reto para a mandíbula são raras e sua real incidência provavelmente é subestimada 4-6.
   Poucos são os estudos que se referem ao mecanismo de aparecimento das metástases de adenocarcinoma retal e há dificuldades para a identificação e diferenciação entre lesões primárias da mandíbula e lesões metastáticas 2,6.
   O objetivo deste relato deve-se à raridade de tal entidade, bem como a forma de abordagem diagnóstica e terapêutica.

RELATO DO CASO
T. I. S., 59 anos, feminino, branca, natural da Paraíba e procedente de São Paulo, S.P. Há quatro meses apresentando hematoquesia, puxo, tenesmo, mucorréia e afilamento das fezes, associado a emagrecimento de 10 Kg, dor ao evacuar e alteração do hábito intestinal de uma cada quatro dias. Há uma semana com queixa de abaulamento da região mandibular direita, dificuldade à abertura da boca e mastigação.
   Ao exame físico da face com nodulação endurecida de 5x4 cm nos seus maiores eixos, palpável em região têmporo-mandibular direita, endurecida, fixa, dolorosa e limitação à abertura da boca. Cavidade oral com abaulamento na região correspondente aos últimos molares inferiores, sem comprometimento da mucosa.
   Ao exame proctológico evidenciada lesão úlcero-vegetante póstero lateral direita com extensão de dois a sete centímetros da borda anal, amolecida, fixa e com sinais sugestivos de invasão esfíncteriana. O exame histo-patológico revelou tratar-se de adenocarcinoma.
   Durante o estadiamento não foram encontradas lesões sincrônicas no cólon ou doença metastática para o fígado, porém em exames radiológicos foram identificadas deformidade de face e lesão lítica de mandíbula, ambas à direita. (Figuras 1a e 1b)
Figura 1a e 1b- RX com deformidade de face à direita.

   O estudo tomográfico evidenciou lesões nodulares múltiplas em ambos os pulmões e espessamento concêntrico da parede retal, além de lesão hipoatenuante em topografia de mandíbula e parótida direita, com invasão de conduto auditivo direito (Figura 2), a qual já nos referimos anteriormente.
Figura 2 - TC com invasão de conduto auditivo direito.

   A confirmação diagnóstica foi obtida através de biópsia por punção de agulha fina na região correspondente ao abaulamento de face e que identificou infiltração óssea por adenocarcinoma metastático. (Figuras 3a e 3b)
   Houve necessidade de individualizar o tratamento, neste caso, já que a paciente descrita, além de apresentar neoplasia maligna de reto com metástases pulmonares, também apresenta metástase óssea para a mandíbula. Esta última por ser causa principal de dor, desconforto e limitação da função mastigatória foi o motivo principal de suas queixas e de sua precária qualidade de vida.
Figura 3a e 3b- RX com deformidade de face à direita.

   Fez-se opção pela realização de radioterapia em face utilizando-se 5000 cGy nesta localização e quimioterapia sistêmica paliativa com o 5-Fluorouracil e Leucovorin, visando o controle das metástases pulmonares. Em relação à lesão retal, optou-se pela realização de derivação intestinal, pois apresentava quadros suboclusivos.
   Evoluiu com restauração da função mastigatória após a radioterapia, porém apresentou neutropenia irreversível após segunda sessão de quimioterapia, com óbito três meses após o diagnóstico das lesões.

DISCUSSÃO
As metástases ósseas de adenocarcinoma de reto são encontradas em apenas 1% dos casos 3-,5,7,8
   As neoplasias retais podem metastatizar para os ossos de duas formas: via fígado através da circulação mesentérico-portal ou, passando através das veias retais para o plexo venoso vertebral. No último caso, o cérebro e os pulmões podem estar envolvidos antes do fígado. O plexo venoso vertebral parece ser a rota de preferência para a disseminação metastática para os ossos e para o sistema nervoso central 6.
   A disseminação cancerígena, portanto, ocorre principalmente através da via hematogênica. O tumor acessa os vasos sanguíneos através de invasão direta aos mesmos no sítio primário da lesão. Podem atingir a mandíbula através da circulação venosa vertebral ou circulação portal. Na circulação vertebral as células tumorais podem passar da veia jugular para a veia cervical, atingindo a mandíbula. Na disseminação portal as células tumorais atingem as veias mesentéricas e drenam para o sistema portal, podendo progredir para o fígado, coração direito, pulmões, coração esquerdo e finalmente a artéria carótida, podendo penetrar os ossos através de suas arteríolas nutridoras 4.
   Quando a mandíbula é afetada, as metástases ocorrem preferencialmente na articulação têmporo-mandibular devido à disseminação neoplásica para o côndilo mandibular que é rico em medula vermelha 6 .
   A raridade do acometimento metastático do aparelho ósseo mastigatório pelo adenocarcinoma de reto pode ser consequência do fato de que a mandíbula é raramente examinada e, além disto, as metástases aí disseminadas podem espalhar-se intrinsecamente 6,7.
   A sintomatologia predominante consiste em dor e tumefação local, além de distúrbios da mastigação e trisma 2 .
   Clausen e Poulsen 2 em 1963, propuseram um critério para definir tumores ósseos metastáticos: em primeiro lugar, é preciso que se trate de metástase verdadeira, localizada originalmente em tecido ósseo e não invasão por contigüidade de tumores de outras localidades. Em segundo lugar, a lesão tem que ser microscopicamente identificada como carcinoma e, finalmente, o tumor primário precisa ser identificado 2,3.
   O diagnóstico deve ser, portanto, confirmado através de exame histopatológico por biópsia de agulha fina, tendo sido relatado como método mais importante 6,8.
   A radioterapia local pode ser utilizada paliativamente, permitindo diminuição da dor e resgatando parcialmente a função mastigatória 4,6.
   Ressaltamos que a doença metastática para mandíbula deve ser pesquisada em pacientes com adenocarcinoma colorretal através de exame local detalhado. Em casos de pacientes com abaulamento e ou dor em mandíbula, a investigação com exames subsidiários é necessária e o tratamento paliativo com radioterapia local tem finalidade principal de alívio da sintomatologia.

ABSTRACT: The authors report a case of metastatic adenocarcinoma of the rectum to the mandible, a rare presentation of the disease that is almost always underestimated. Authors demonstrate local radiotherapy for palliation with recovery of the masticatory function.

Key words: Metastasis, dissemination, adenocarcinoma, neoplasm seeding, colorectal surgery.

Referências
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2. Clausen F, Poulsen H - Metastatic carcinoma of the jaws. Acta Pathol. Microbiol. Scand; 1963,57:361-374.
3. Delfino JJ, Wilson TK, Rainero DM - Metastatic adenocarcinoma from the colon to the mandible. J.Oral Maxilo-fac. Surg; 1981,40:188-190.
4. Mast HL, Nissenblatt MJ _ Metastatic colon carcinoma to the jaw: a case report and review of the literature. J.Surg.Oncol; 1987,34: 202-207.
5. Macafee KA, Quinn PD, Abaza NA - Adenocarcinoma of the colon metastatic to the temporomandibular joint: a case report. J. Oral-Maxilofac. Surg; 1993,51:793-797.
6. Balestreri L, Canzioneri V, Innocente R, Cattelan A, Perin T - Temporomandibular joint metastasis from rectal carcinoma: CT findings before and after radiotherapy. A case report. Tumori; 1997,83:718-720.
7. Bentley RP, Worrall SF - Carcinoma of the colon with mandible and liver metastases. Br J Oral Maxilofac Surg; 1997, 35(3): 221-222.
8. Sheen AJ, Drake D, Langton S, Sherlock DJ - Unusual bony colorectal metástases in post-hepatometastasectomy patients. J Hepatobiliary Pancreat Surg; 2002,9(3): 379-382.

Endereço para correspondência:
FLÁVIA BALSAMO
Serviço de Coloproctologia do Hospital Heliópolis
R. Cônego Xavier, 276- Vila Heliópolis
04231-030- São Paulo, SP
Tel.: 11- 2274-7600 (ramal 244)
E-mail: flabal@uol.com.br

Recebido em 18/09/2009
Aceito para publicação em 27/10/2009
Trabalho realizado no Serviço de Coloproctologia do Hospital Heliópolis, São Paulo, SP.