ARTIGOS ORIGINAIS


INFLIXIMABE NA DOENÇA DE CROHN: EXPERIÊNCIA CLÍNICA DE UM CENTRO TERCIÁRIO PAULISTA

Infliximab in Crohn's Disease: Clinical Experience from a Single Tertiary Center of Sao Paulo State

Ulysses dos Santos Torres 1; Geni Satomi 2; Luiz SÉrgio Ronchi 2; JoÃo Gomes Netinho 3

1. Graduando em Medicina - Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP); 2. Docentes da Disciplina de Coloproctologia da FAMERP; 3. Chefe da Disciplina de Coloproctologia da FAMERP; Doutor em Cirurgia pela Unicamp; Membro do Grupo de Estudos da Doença Inflamatória Intestinal no Brasil.


TORRES US; SATOMI G; RONCHI LS; NETINHO JG. Infliximabe na Doença de Crohn: Experiência Clínica de um Centro Terciário Paulista. Rev bras Coloproct, 2009;29(1): 038-045.

Resumo: Introdução: Na Doença de Crohn (DC) ocorre uma reatividade anormal dos linfócitos T da mucosa intestinal e produção excessiva de citocinas pró-inflamatórias, entre as quais o fator de necrose tumoral alfa (TNF-á). O infliximabe é um anticorpo monoclonal anti-TNF-á indicado no tratamento de pacientes com DC fistulizante ou não responsiva ao tratamento convencional. Objetivos: Caracterizar as indicações clínicas do infliximabe na DC em um serviço referencial paulista, avaliando padrões de resposta e a efetividade do tratamento através do Índice de Atividade da DC (CDAI). Pacientes e Métodos: O estudo foi observacional retrospectivo e analisou dados de 21 pacientes com DC em uso de infliximabe atendidos no Hospital de Base de Rio Preto entre janeiro de 2004 e julho de 2008. Resultados: Houve predomínio de pacientes do sexo feminino (67%), com média de idade de 33 anos. As indicações mais freqüentes foram fístulas perianais (48%). Resposta clínica total à droga ocorreu em 43% dos pacientes, e resposta parcial em 47%; a diferença da média do CDAI entre os grupos antes e após o tratamento foi de 244,61 pontos (p< 0,0005). Conclusões: O infliximabe induziu melhora clínica em 90% dos pacientes, acompanhada de redução da atividade da doença na avaliação através de um índice padronizado.

Descritores: Enteropatias Inflamatórias, Doença de Crohn, Fator de Necrose Tumoral alfa, Anticorpos Monoclonais, Evolução Clínica.

INTRODUÇÃO
A Doença de Crohn (DC) é uma doença inflamatória crônica do trato gastrointestinal, de etiologia e patogênese ainda não inteiramente conhecidas. O padrão etiopatogênico da doença inclui suscetibilidade genética, desbalanço entre bactérias comuns e patogênicas do trato intestinal, alterações na integridade do epitélio intestinal e resposta imune desregulada pela reatividade anormal dos linfócitos T da mucosa intestinal, com produção excessiva de citocinas pró-inflamatórias (1).
   O fator de necrose tumoral alfa (TNF-?) é uma citocina pró-inflamatória produzida sobretudo por macrófagos ativados e linfócitos T, e atua no recrutamento e ativação de células do sistema imune, bem como na ativação de fibroblastos e células endoteliais, com importante papel na atividade inflamatória em mucosas (2).
   Aprovado em 1998 nos EUA para o tratamento de formas moderadas a graves da DC, o infliximabe é um anticorpo monoclonal IgG1 quimérico, 75% humano e 25% murino, que se liga com elevada afinidade ao TNF-?. As respostas propostas para sua ação se dão não somente como consequência do bloqueio direto do TNF-? solúvel ou transmembrânico, mas também pela indução de apoptose de linfócitos T (3), recuperação da barreira epitelial (4), e indução da motilidade dos fibroblastos intestinais, facilitando cicatrização de lesões (5).
   As indicações clínicas atuais em relação à terapia biológica com infliximabe incluem doença intestinal moderada ou grave em pacientes refratários ao tratamento convencional, assim como a forma fistulizante não responsiva ao tratamento cirúrgico e/ou farmacológico convencional. Ainda não está claro, também, se a abordagem com infliximabe seria mais eficaz se precoce (top down approach), com possíveis impactos benéficos sobre o curso natural da doença, ou sendo indicada mais tardiamente, após a ausência de resposta às drogas tradicionais (step-up approach) (6). De qualquer maneira, nos últimos dez anos o tratamento com infliximabe vem mostrando ser seguro e trazendo resultados clínicos positivos entre os pacientes que cumprem os critérios de indicação (7).
   O presente estudo teve por objetivo caracterizar as indicações clínicas do infliximabe em um hospital-escola referencial no atendimento a pacientes com DC no noroeste do estado de São Paulo, bem como avaliar os padrões de resposta e a efetividade do tratamento entre esses pacientes.

PACIENTES E MÉTODOS
O estudo foi observacional retrospectivo e analisou dados de prontuários de 21 pacientes com DC atendidos no Ambulatório de Coloproctologia do Hospital de Base da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (HB/ FAMERP), e que fizeram uso de infliximabe entre janeiro de 2004 e julho de 2008.
   A realização do estudo se deu somente após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da mesma instituição, que dispensou a necessidade de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em virtude da metodologia da pesquisa.
   Todos os pacientes receberam infusão endovenosa de infliximabe na dose de 5 mg/ kg, em período variando de 2 a 4 horas, sob assistência profissional especializada. O tratamento foi efetuado seguindo o padrão de aplicação das doses nas semanas 0, 2 e 6, sucedendo-se doses de manutenção a cada 8 semanas.
   Os pacientes foram analisados quanto ao sexo, idade, tempo de doença, sintomas presentes à data de indicação do infliximabe, localização da doença (com base em estudos anátomo-patológicos de fragmentos colhidos por biópsia e em laudos de exames de colonoscopia), histórico de cirurgias prévias relacionadas à doença, indicações clínicas de uso do medicamento, data da primeira aplicação e sua relação com o tempo de evolução da doença, total de doses infundidas individualmente, evolução clínica e escore de classificação da doença antes e após as infusões da droga.
   A evolução clínica foi considerada de acordo com um dos três seguintes aspectos: ausência de resposta ao infliximabe (ausência de melhora dos sintomas intestinais e/ ou ausência de diminuição do débito das fístulas); resposta parcial ao infliximabe (diminuição considerável do débito das fístulas e/ ou melhora considerável dos sintomas intestinais); e resposta total ao infliximabe (interrupção total do débito das fístulas e/ ou cicatrização dos trajetos fistulosos e/ ou fim dos sintomas intestinais). Para que se obtivesse uma padronização adequada, considerou-se como resposta obtida no pós-tratamento aquela registrada em consulta realizada até 30 dias após a última infusão, parâmetro que fornece mais claramente a evolução clínica da doença à época da conclusão do tratamento pela remissão, ou à época da última dose da sequência de manutenção que vem levando ao controle da doença ou à ausência de resposta.
   Calculou-se o Índice de Atividade da Doença de Crohn (CDAI, do inglês, Crohn's Disease Activity Index) com base em dados registrados padronizadamente em prontuários durante o atendimento ambulatorial de pacientes com DC que fazem uso de infliximabe, em consultas realizadas até 30 dias antes da primeira infusão do medicamento, assim como naquelas realizadas em até 30 dias após a última infusão, de acordo com a mesma padronização estabelecida para a avaliação da evolução clínica. Em um período de sete dias que antecedem a consulta marcada, os pacientes em uso de infliximabe são instruídos a registrar diariamente quatro das oito variáveis necessárias para o cálculo do CDAI, quais sejam: número de evacuações líquidas ou pastosas, intensidade da dor abdominal, sensação de bem-estar geral e presença de febre (esta última como um dos itens da variável "complicações"). As outras quatro variáveis são avaliadas clinicamente durante a consulta, assim como os outros itens da variável "complicações", conforme será discutido mais adiante.
   Antes do início do tratamento, todos os pacientes foram rotineiramente submetidos à realização de radiografias torácicas e testes tuberculínicos, para exclusão de possibilidade de tuberculose (8). Além disso, todos os pacientes tiveram seguimento clínico e laboratorial, antes e após as infusões, com realização de hemogramas, testes de velocidade de hemossedimentação, proteína C reativa, dosagem de concentrações séricas de ferro, eletroforese de proteínas no soro, bem como com avaliações endoscópicas e radiológicas rotineiras.
   A análise estatística dos dados foi realizada através do software Systat® 12 for Windows (Systat Software Inc, 2007), sendo considerados estatisticamente significantes valores p < 0,05. A comparação entre as variáveis pareadas para análise da diferença das médias do CDAI se realizou através do teste t para amostras pareadas. A abordagem gráfica foi realizada usando-se o desenho esquemático (boxplot) de Tukey.

RESULTADOS
A distribuição dos pacientes segundo suas características clínicas e epidemiológicas principais encontra-se representada na tabela 1. Os sintomas mais freqüentes à época da indicação do uso de infliximabe foram dispostos em ordem decrescente, não se considerando aqueles relacionados aos produtos de drenagem de fístulas, que foram relatados pela totalidade dos pacientes com a forma fistulizante da doença. Valores percentuais e variações estão expressos entre parênteses.

   Nenhum paciente apresentava DC localizada isoladamente em região perianal ou intestino grosso, tampouco na combinação intestino grosso/ região perianal, ou intestino delgado/ região perianal. Quanto às cirurgias prévias por manifestações consequentes à DC, descobriu-se um total de 45 procedimentos, distribuídos em um grupo de 13 pacientes. Os resultados estão descritos na tabela 2, em ordem decrescente de frequência.

   Em relação às indicações clínicas de uso do medicamento, as fístulas perianais isoladamente foram as mais frequentes, ocorrendo em 48% dos pacientes. A ausência de resposta clínica ao tratamento convencional cursando com exacerbação de quadro clínico em pacientes com DC intestinal moderada ou grave representou 14% das indicações, seguida por fístulas retovaginais isoladamente (9,5%), fístulas enterocutâneas isoladamente (9,5%), fístulas enterovesicais isoladamente (9,5%) e associação de fístulas perianais e retovaginais (9,5%). Abordando-se a totalidade das indicações, foram aplicadas 194 doses de infliximabe, com média de 9,2 doses por paciente.
   De acordo com os critérios de evolução clínica, 9 pacientes (43%) obtiveram resposta total ao tratamento com infliximabe, 10 (47%) obtiveram resposta parcial e 2 (10%) não obtiveram melhora clínica. A média geral do CDAI antes do tratamento com infliximabe foi de 357,81 pontos, tendo caído para 113,19 pontos após o estabelecimento do tratamento (p<0,0005; IC 95% = 186,32 - 302,91) (gráfico 1).
Gráfico 1 - Distribuição dos valores do CDAI da totalidade dos pacientes antes e após o tratamento com infliximabe.

   Os padrões obtidos segundo o CDAI foram correlacionados individualmente aos três grupos de resposta clínica. No grupo que apresentou resposta total, a média do CDAI caiu de 353,22 para 59,66 pontos (p< 0,0005; IC 95% = 242,65 - 344,45) (gráfico 2); no grupo que obteve resposta parcial, a média foi de 373,50 para 128,80 pontos (p< 0,0005; IC 95% = 145,22 _ 344,18) (gráfico 3). Entre os pacientes que não obtiveram resposta clínica ao tratamento, a diferença das médias não foi calculada devido à limitação de aplicação do teste estatístico para a reduzida amostra do grupo. Efeitos colaterais graves que pudessem levar à interrupção do tratamento não foram observados em nenhum caso.
Gráfico 2 - Distribuição dos valores do CDAI antes e após o tratamento entre o grupo de pacientes que clinicamente obtiveram resposta total ao infliximabe.

Gráfico 3 - Distribuição dos valores do CDAI antes e após o tratamento entre o grupo de pacientes que clinicamente obtiveram resposta parcial ao infliximabe.


DISCUSSÃO
As descobertas recentes no campo da patogênese das Doenças Inflamatórias Intestinais têm propiciado o desenvolvimento e o estímulo à pesquisa de novos agentes terapêuticos cada vez mais específicos. O infliximabe foi o primeiro agente biológico a ser indicado no tratamento da DC fistulizante ou refratária, tendo seu uso aprovado nos EUA em agosto de 1998 pela Food and Drug Administration (FDA) (9). Desde então, o uso da terapia biológica vem modificando significativamente o tratamento e a abordagem clínica desses casos de DC.
   Diversos estudos indicam a efetividade do infliximabe em induzir melhora clínica e remissão tanto em casos de DC fistulizante quanto naqueles de DC luminal ativa refratária à terapia convencional. Em estudo de 1997(10), relatou-se que após infusão de uma dose de 5 mg/kg, foi observada resposta clínica (definida como uma redução igual ou superior a 70 pontos no CDAI) em 81% dos pacientes com DC luminal refratária (contra 17% nos pacientes que receberam placebo); além disso, 33% dos pacientes obtiveram remissão da doença (contra 4% no grupo que recebeu placebo).
   Em um estudo dois anos após, abordando apenas casos de DC fistulizante (11) demonstrou-se que após infusões de infliximabe nas semanas 0, 2 e 6 houve obtenção de resposta clínica em 62% dos pacientes (contra 26% no grupo placebo), e que 46,5% conseguiram interrupção total da drenagem das fístulas (contra 13% no grupo placebo); apesar disso, observou-se que em um tempo médio de 12 semanas ocorria perda de resposta.
   O estudo multicêntrico ACCENT I (12), de 2002, mostrou que após uma única infusão de infliximabe na dose de 5 mg/kg, 58% dos pacientes com DC ativa responderam clinicamente, e 27% obtiveram remissão da doença. Quando foram feitas três infusões, nas semanas 0, 2 e 6, as taxas de resposta foram superiores às obtidas com infusão única. Finalmente, quando se realizou a infusão de 5 mg/kg ou 10 mg/kg a cada 8 semanas até a 46ª semana, observou-se que 42% dos pacientes que haviam obtido resposta clínica na 2ª semana ainda a mantinham durante a 30ª (contra 21% no grupo placebo).
   Em 2004, analisando dados obtidos no ACCENT I (13), pesquisadores concluíram que os pacientes dos grupos que receberam 5 mg/kg ou 10 mg/kg de infliximabe a cada 8 semanas até a 46ª, na comparação com os pacientes dos grupos que haviam recebido doses iniciais de infliximabe mas sem terapia posterior de manutenção, haviam obtido melhores taxas de cicatrização de lesões mucosas, além de diminuição das taxas de internação relacionadas à doença e redução da necessidade de intervenções cirúrgicas na comparação com o grupo placebo.
   Envolvendo essa mesma questão da terapia de manutenção, o ACCENT II (14), também de 2004, revelou que após infusões de 5 mg/kg durante as semanas 0, 2 e 6, 69% dos pacientes que apresentavam fístulas com drenagem obtiveram resposta clínica entre a 10ª e a 14ª semana. Na manutenção terapêutica em intervalos de 8 semanas, mostrou-se que na 54ª semana 36% dos pacientes não apresentavam fístulas com drenagem (19% no grupo placebo); além disso, nesse subgrupo de pacientes que obtiveram resposta ao medicamento e mantiveram remissão até a 54ª semana houve também queda significativa das taxas de internações e intervenções cirúrgicas.
   A abordagem cirúrgica dos pacientes com DC frequentemente é necessária, e alguns dados mostram que cerca de 20% desses pacientes são submetidos a procedimentos cirúrgicos dentro dos 3 primeiros anos de diagnóstico da doença; quando se estende a 15 anos o período considerado, a frequência chega a ser de 70% (15). Não obstante o advento da terapia biológica como nova possibilidade de tratamento da DC, dados norte-americanos sugerem que as taxas de internações e procedimentos cirúrgicos estão aumentando, possivelmente como consequência do aumento da prevalência da doença; um estudo abordando dados de 1998 a 2004 (16), detectou taxas de internações por DC nos EUA de 18/ 100000, com um aumento relativo anual de 4,3%, e uma taxa de ressecções intestinais de 3,4/ 100000. O impacto econômico é considerável, tendo subido de US$ 762 milhões para US$ 1,33 bilhão no período considerado.
   Em nossa amostra de pacientes observamos que 38% foram submetidos a intervenções cirúrgicas nos 5 primeiros anos da doença; considerando-se um período de 8 anos esse valor aumenta para 52%. A indicação mais frequente de cirurgia foi a DC fistulizante perianal, correspondendo a 61% das indicações.
   Questiona-se atualmente se o uso dos medicamentos biológicos, a exemplo do infliximabe, poderia determinar uma modificação no curso natural da DC. Dessa forma, a definição por uma abordagem tradicional de tratamento (step-up), vem se contrapondo à abordagem conhecida como "top down", caracterizada pelo uso mais intenso de drogas que não seriam de primeira escolha na abordagem convencional, no intuito de se modificar o curso da doença, impedir sua progressão e evitar suas possíveis complicações. A abordagem step up, por outro lado, propõe que o tratamento da doença seja feito inicialmente com drogas menos potentes e de menor toxicidade, as quais podem ser substituídas por outras mais potentes de acordo com a evolução e a localização da doença, ou a ausência de resposta ao tratamento escolhido de início (6).
   A estimativa de que menos de 50% dos pacientes com DC possuam doença em atividade em um determinado ponto no tempo, além de dados segundo os quais quase 50% dos pacientes com DC jamais necessitarão de terapia com corticóides ao longo da vida (17), constituem importantes argumentos para os defensores da abordagem step up, que acreditam que os riscos acarretados pela exposição desses pacientes a drogas de maior toxicidade não justificam os potenciais benefícios de uma eventual mudança no curso clínico da doença (6).
   Por outro lado, o caráter clínico de exacerbação e remissão da doença em um número significativo de pacientes, a frequência elevada de necessidade de cirurgias, e a refratariedade ao tratamento convencional desencadeando uma evolução clínica não favorável e com múltiplas complicações possíveis, falam favoravelmente a uma intervenção mais precoce e possivelmente preventiva quanto às possibilidades de complicações (16).
   Em 2006 foram publicados dados preliminares de um estudo prospectivo randomizado (18) comparando essas duas abordagens; ao final de um ano, a remissão clínica com CDAI inferior a 150 pontos, sem necessidade de cirurgias de ressecção intestinal ou uso de corticoides, foi observada em 62% dos pacientes do grupo top down, contra 42% de pacientes no grupo step up. Além disso, nesse último grupo, ao fim dos 12 meses, 17% dos pacientes continuavam a depender do uso de corticóides para o controle da doença, contra nenhum caso no grupo top down.
   Considerando a validade das duas abordagens, novos estudos que desenvolvessem ferramentas de uso clínico viável, e que fossem úteis na determinação da evolução clínica dos pacientes, possibilitariam o emprego do tratamento mais eficaz para cada paciente. Em nosso grupo de pacientes a abordagem adotada continua a ser a step up.
   Outra questão que observamos em nosso estudo diz respeito ao momento de interrupção da terapia com infliximabe. O número de doses e o tempo de tratamento mostraram relativa variabilidade entre os pacientes. Levando-se em conta a média de idade em nosso grupo (33 anos) e uma elevada expectativa de vida, o objetivo de manter a doença em remissão pelo maior período possível leva à dúvida sobre qual o melhor momento de interrupção do tratamento que propiciará o máximo de continuidade à remissão obtida. Assim, novos estudos prospectivos que levem em conta essas questões, bem como segurança da administração a longo prazo e custo-efetividade são necessários.
   Quanto à necessidade de analisar o grau de atividade da doença em pacientes com DC, em 1976 foi desenvolvido o CDAI (19). O índice leva em consideração oito variáveis, a saber: número de evacuações líquidas/ pastosas, presença e intensidade de dor abdominal, sensação de bem-estar do paciente, manifestação de complicações ou sintomas extra-intestinais (febre, artrite/ artralgia, irite/ uveíte, eritema nodoso/ pioderma gangrenoso/ estomatite aftosa, fissura anal/ fístula anal/ abscesso anal, outros tipos de fístulas, e febre acima de 38 ºC na semana anterior), necessidade de uso de antidiarréicos, presença de massa abdominal, hematócrito e variação da massa corporal. Cada variável recebe um peso diferente, e a soma dos resultados leva à composição do escore final.
   O escore varia de 0 a cerca de 600 pontos; o ponto de corte entre doença ativa e remissão da doença foi definido pelos autores do CDAI como 150 pontos; posteriormente foram realizadas subdivisões nos valores acima do ponto de corte (20), classificando-se a atividade da DC como leve (150 a 219 pontos), moderada (220 a 450 pontos) e grave (acima de 450 pontos).
   Embora o CDAI seja amplamente utilizado em estudos clínicos para avaliação da atividade da DC, costuma ser criticado por alguns pontos em que apresenta falhas. A primeira delas refere-se à variação existente entre os resultados de avaliações efetuadas por diferentes avaliadores (21); a segunda diz respeito à falta de objetividade de variáveis como intensidade da dor e sentimento de bem-estar geral, intimamente dependentes das percepções do paciente em relação à própria doença e do limiar de dor; essa subjetividade também parece estar ligada aos casos em que pacientes tomando placebo apresentam índices elevados de melhora em alguns ensaios clínicos (22). Além disso, a necessidade de o paciente registrar diariamente algumas variáveis por sete dias também dificulta a larga utilização desse índice na prática clínica comum.
   Em nosso estudo, 10% dos pacientes apresentavam atividade leve da doença segundo o CDAI antes do tratamento; 62% tinham DC de atividade moderada, e 28% de atividade grave; após o tratamento, 76% apresentavam critérios para remissão da doença (CDAI inferior a 150 pontos); os 24% restantes apresentaram atividade de leve a moderada.
   Deve-se considerar, contudo, que embora o grupo que o CDAI caracterizou como em remissão tenha englobado apenas pacientes que apresentaram algum grau de melhora (inclusive a totalidade dos pacientes com melhora clínica total), 44% dos pacientes do grupo ainda apresentavam manifestações importantes, mas que receberam um baixo peso relativo no cálculo do índice. Isso provavelmente se deve à elevada proporção de DC fistulizante entre os pacientes abordados no estudo (86%). Embora o CDAI leve em consideração as manifestações intestinais e extra-intestinais da doença, ele pode não ser eficaz em avaliar a gravidade da DC fistulizante. Atribuem-se 20 pontos às fístulas perianais, e 20 à presença de quaisquer outros tipos de fístulas; dessa forma, a combinação desses dois tipos terá um impacto de apenas 40 pontos sobre o escore final, que representam menos de 7% do largo espectro de variação do índice (0 a aproximadamente 600 pontos).
   Quanto aos critérios para que o tratamento com determinada droga seja considerado eficaz, o FDA estabelece como significativo um decréscimo no CDAI que seja igual ou superior a 100 pontos (23); no presente estudo, apenas 3 pacientes (14%) não atingiram os 100 pontos de decréscimo; dois deles correspondem ao grupo que, de forma similar, foi também classificado como sem resposta à droga segundo a avaliação clínica; o terceiro paciente foi o que apresentava o menor valor de CDAI à época da indicação (167 pontos), portador de DC fistulizante perianal, e cujas manifestações não tiveram impacto considerável sobre o escore final do CDAI; o paciente apresentou, todavia, resposta parcial ao infliximabe à avaliação clínica. A eficácia do tratamento observada em 86% dos pacientes, segundo esse parâmetro, assemelha-se aos valores de resposta à droga observada através da avaliação clínica (90%).
   Enfim, um método de avaliação da atividade da DC que compreenda integralmente todos os fatores clínicos, endoscópicos, bioquímicos, patológicos e moleculares da DC ainda não se encontra disponível e talvez nunca venha a sê-lo em um nível de rotina ambulatorial, dada a complexidade da fisiopatologia e da patogênese da doença, bem como a multiplicidade de suas apresentações. A abordagem ideal do paciente é aquela que seja exclusiva, mas cientificamente fundamentada, levando em consideração as peculiaridades de cada caso, e otimizando ao máximo os impactos benéficos de cada tipo de tratamento sobre a qualidade de vida.

CONCLUSÕES
1. A DC fistulizante foi a principal indicação do tratamento com infliximabe.
2. O infliximabe induziu melhora clínica em 90% dos pacientes.
3. O CDAI médio do grupo estudado sofreu queda estatisticamente significante após o tratamento.
4. A eficácia do tratamento medida através do CDAI foi similar à resposta avaliada clinicamente.
5. As taxas de remissão da doença detectadas através do CDAI não foram condizentes à resposta avaliada clinicamente, apontando esta última um menor índice de remissão.

ABSTRACT: Introduction: In Crohn's Disease (CD) occurs an abnormal reactivity of T lymphocytes of intestinal mucosa and an exceeding production of proinflammatory cytokines, such as the tumor necrosis factor- alpha (TNF-á). Infliximab is a monoclonal antibody against TNF-á, indicated for treatment of patients with fistulizing or refractory CD. Objectives: To characterize the clinical indications of infliximab in CD at a referral center of Sao Paulo State, assessing patterns of response and treatment effectiveness by Crohn's Disease Activity Index (CDAI). Patients and Methods: This was an observational, retrospective study; data of 21 patients with CD receiving infliximab therapy at Hospital de Base de Rio Preto between January 2004 and July 2008 were analyzed. Results: Female patients were predominant (67%) and mean age was 33 years. Perianal fistulas represented the most common indication for infliximab use (48%). Complete clinical response to drug occurred in 43% of patients, and partial response in 47%; the mean difference of CDAI between the groups, before and after infliximab treatment, was 244.61 points (p< 0.0005). Conclusions: Infliximab induced clinical improvement in 90% of patients, with concomitant reduction of disease activity as measured by a standardized index.

Key words: Inflammatory enteropathy; Crohn's Disease; Tumor Necrosis Factor _alpha; Antibodies, Monoclonal; Clinical evolution.

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Endereço para correspondência:
Rua San Francisco, 481
Condomínio Débora Cristina
São José do Rio Preto - SP
CEP: 15090-030
jgnetinho@riopreto.com.br

Recebido em 18/11/2008
Aceito para publicação em 07/01/2009

Trabalho realizado na Disciplina de Coloproctologia do Hospital de Base/ Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, SP.