GENÉTICA E BIOLOGIA MOLECULAR
CÉLULA TRONCO TUMORAL: NOVO CONCEITO EM CARCINOGÊNESE COLORRETAL
Câncer Stem Cells: A New Concept in Colorectal Carcinogenesis
1 Mauro de Souza Leite Pinho
1 Professor da Disciplina de Clínica Cirúrgica da UNIVILLE, Joinville, SC Cirurgião do Departamento de Cirurgia do Hospital Municipal São José, Joinville, SC- Brasil
Resumo: Apesar dos grandes avanços obtidos pelos estudos utilizando técnicas de biologia molecular diversas controvérsias persistem a respeito do mecanismo de carcinogênese colorretal. Ao longo do último ano, entretanto, observamos na literatura o surgimento de um novo conceito referente à existência de um conjunto de células situadas nas bases das criptas intestinais, as quais apresentam características bastante distintas do restante das células epiteliais. Estas células, denominadas como células tronco intestinais, apresentam-se de forma indiferenciada e com um ciclo de vida com duração superior a um ano. Desta forma, justifica-se assim nestas células a possibilidade da ocorrência de um acúmulo de mutações, etapa considerada essencial para o desenvolvimento do processo neoplásico, e que seria improvável de ocorrer em um colonócito normal, cujo ciclo de vida dura em média cinco dias. Outra importante evidência da participação destas células tronco no mecanismo de carcinogênese foi demonstrada por estudos capazes de reproduzir a formação de tecidos neoplásicos com a mesma característica do tumor original, a partir do implante de um reduzido número destas células em modelos experimentais, o que não se obtém através do implante de um grande número de células tumorais normais. Sabendo-se que a presença de uma mutação do gene APC é uma etapa precoce no processo de carcinogênese colorretal, acredita-se que esta exerça este papel contribuindo para a ocorrência de uma superpopulação de células tronco intestinais, levando a um desequilíbrio proliferativo na mucosa intestinal.
Descritores: Câncer colorretal, células tronco intestinais, células tronco tumorais.
Embora o grande número de estudos
utilizando técnicas de biologia molecular realizados ao
longo dos últimos quinze anos tenham representado um
grande avanço no conhecimento do processo
de carcinogênese colorretal, diversos conceitos
permanecem desafiando nossa compreensão a respeito
desta importante doença.
A partir do trabalho original de Fearon e cols
1, em 1990, tornou-se evidente que o surgimento de
uma célula tumoral é resultante de um acúmulo de
mutações em seu DNA capaz de alterá-la morfológica
e funcionalmente, levando a um ganho proliferativo o
qual irá subsequentemente levar ao surgimento de uma
população de células com características
semelhantes. Como evento inicial deste processo foi identificada
a presença de uma mutação no gene codificador da
proteína APC, assim denominada por ser a principal
marca genotípica da polipose adenomatosa familiar.
Posteriores estudos demonstraram que esta mutação
apresenta-se também como evento inicial em cerca de
80% dos casos de câncer colorretal esporádico
2.
Em condições normais, o ciclo de vida
cumprido pelo colonócito dura em torno de cinco dias
3. Assim sendo, temos aqui a primeira controvérsia, pois
torna-se difícil a compreensão de como uma célula de
tão curta duração poderia sofrer um acúmulo de
mutações capaz de alterar completamente seu
comportamento biológico.
Outro importante obstáculo à utilização
clínica dos conceitos desenvolvidos pelos estudos de
biologia molecular diz respeito à grande heterogeneidade
do tecido tumoral, o qual, apesar de sua provável
origem monoclonal, é formado por células com
características moleculares e funções bastante distintas entre si.
Embora estes achados possam sugerir um grande
potencial proliferativo para qualquer célula tumoral, isto
não é confirmado em estudos experimentais, devido à
grande dificuldade na replicação de tumores em
modelos animais a partir da inoculação de células extraídas
de tecido tumoral humano.
Ao longo do último ano, entretanto,
observamos na literatura o surgimento de um novo
conceito capaz de revolucionar nossa compreensão sobre
os mecanismos da carcinogênese, possibilitando
inclusive a elucidação de forma bastante lógica de algumas
controvérsias existentes até o momento. Referimo-nos
aqui à célula tronco tumoral (cancer stem cell)
3-5.
As células tronco intestinais
Como sabemos, o epitélio colônico é
formado pela presença de um grande número de criptas,
estimado em cerca de 14 000/cm2. Cada uma destas
criptas é composta por aproximadamente 2000 células
submetidas a um constante e rápido regime de
renovação, indiferenciada na base da cripta e sofrendo um
processo de gradual de diferenciação a medida em
que ascendem até a luz intestinal, sendo
posteriormente descamadas através de apoptose
3 (Figura 1).
Figura 1 - A atividade proliferativa da cripta normal. |
Figura 2 - Tipos de células na cripta intestinal. |
ABSTRACT: Despite the great number of studies using molecular biology tools several questions remain about the mechanisms of colorectal carcinogenesis. A recent concept has emerged from the literature regarding the existence of a specific group of indiferentiated cells situated at the bottom of intestinal crypts with a long life cycle that may last more than one year, described as intestinal stem cells. This particular property may explain the expected occurrence of a sequence of mutations necessary to the development of a carcinoma, which cannot be observed in a normal colonocyte with a mean cycle life of five days. Another important evidence to this concept is the induction in rodents of a tumor with similar characteristics to the original human carcinoma by injection of a small number of these stem cells, which is not achieved by using large number of normal cancer cells. It is suggested that mutation of APC gene, present as an early step in most colorectal carcinomas, may contribute to a superpopulation of intestinal stem cells with consequent disturbance of proliferative epithelial balance.
Key words: Colorectal cancer; intestinal stem cells; cancer stem cells.
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Endereço para correspondência:
Mauro de Souza Leite Pinho
Rua Palmares 380
Atiradores, Joinville, SC
89203-230
E-mail: mauro.pinho@terra.com.br
Recebido em 17/11/2008
Aceito para publicação em 03/12/2008
Trabalho realizado no Laboratório de Biologia Molecular e Disciplina de Clínica Cirúrgica do Departamento de Medicina da UNIVILLE, Joinville, SC e Departamento de Cirurgia do Hospital Municipal São José, Joinville, SC.